Thursday 6 June 2013

Cultura Cigana no Brasil

Associação Guiemos Kalons - AGK


Debaixo da tenda

Povo mais misterioso do mundo, os ciganos querem apresentar a sua cultura, banir os estereótipos , serem incluídos à sua maneira na sociedade

Peregrinam há séculos. Vieram de longe, do norte da Índia, no continente asiático, migraram para a Europa, espalharam-se pelo mundo. Foram degredados ao Brasil, no século 16, misturados à população, em quase todos os estados. Andam por aí, estão no meio de nós, debaixo de tendas, em casarões fincados na terra. Invisíveis quando não incomodam, aparecidos quando fatos acontecem e puxam ideias, estigmas de séculos e séculos: viram iguais. Se um grupo vendedor de edredons roubou clientes em Juiz de Fora, todos os ciganos são trapaceiros. Se um deles é acusado de assassinato em Santo Amaro, na Bahia, expulsam os outros, queimam as barracas, são perturbadores da ordem. Vai-se a maioria no meio, o singular torna-se coletivo. Não se conhecem quem são, os criticam. Fecham-se em suas tradições milenares, às vezes misturam-se à multidão.

Fomos bater à porta deles, andar por esse território de idioma próprio, costumes tão díspares dos ocidentais, ver quem é esse povo na riqueza e na pobreza que está aqui. Só os líderes das etnias falam. Ligo para o telefone celular de Carlos Amaral, presidente da Associação Guiemos Kalon. “Você pode vir à minha tenda.” Chega-se ao local, no São Gabriel, depois de erros pelo caminho, barracas de ciganos de lonas pretas espaçadas pelo bairro, na região Noroeste de Belo Horizonte. Está lá, há 22 anos, a tenda de Carlos, panelas de alumínio areadas à porta, tapetes que cobrem toda a área, panos coloridos que tampam a lona. “A etnia calon é mais fixa. Na realidade, os ciganos mudam de lugar porque são expulsos e têm que levantar acampamento.”


Hoje são nômades por exigência. “Quando um comete erro, colocam que foi cigano. É uma minoria que faz coisas ilícitas, como ocorre com vocês”, diz sentado ao redor de uma mesa à frente da barraca. O sol forte o leva a convidar a equipe a entrar na tenda, retira os sapatos, senta, parece se incomodar porque estou de vestido na altura dos joelhos. Havia lido que as ciganas podem usar roupas decotadas, mas nunca ficar com as pernas descobertas. Pega uma colcha para me cobrir, alega que mosquitos importunam. Continua, lembra que a discriminação contra seu povo é grande, vê a necessidade de se mostrar nesse Brasil puxado à modernidade e eles sem saneamento básico, às margens da sociedade.

Eis os calons na versão dele: a maioria mora em barracas, sem banheiros, entulhada, fala o dialeto chibi. Os homens trabalham como vendedores, as mulheres leem a sorte. “Sempre dá certo.” Há escolas para as crianças, mas a maioria estuda até a adolescência, porque as meninas casam aos 12, 13 anos e aí têm que cuidar da casa nessa sociedade em que o homem é quem manda. Ele escolhe os maridos das filhas. Os garotos podem recusar, as garotas não. É preciso aceitar a vida escrita por eles há milhares de anos, em que as mulheres têm que confeccionar suas roupas, os homens compram prontas. “Houve melhorias. Ia à escola descalço, ficava escondendo os pés. Hoje meus filhos são ricos. O mais novo queria uma calça, com o gancho comprido, cara. Acho que custava 60 reais, mas o que a gente não faz por um filho.”


Entra para a modernidade na medida do possível. O filho mais velho, de 24 anos, é empregado em uma fábrica, mora em casa de tijolo em Belo Horizonte, não diz que é cigano para evitar discriminação. Outro, de 19, trabalha no estado do Rio de Janeiro e a única filha, de 17 anos, mora lá. “Queria ter estudado, ser advogado, mas não deu”, conta Carlos Amaral. Ele se casou aos 16 anos com Ana Maria Coimbra dos Santos, na época com 12 anos, e hoje divide a barraca aberta, quase sem privacidade, com a mulher e o caçula, de 13 anos. Quando chove? “É a pior coisa que existe. A lona é arrancada pelo vento. Molha tudo. Meu sonho é construir uma casa.” Lá tem banheiro, fogão de lenha, luz, água, internet e paga pelos serviços, mas os outros calons fazem gatos. “Não é por culpa deles, é necessidade.”

Defende sua etnia, luta contra o preconceito. “Antes a polícia chegava, sem mandato, pisoteava tudo, jogava a comida no chão. Hoje eu tenho noção dos direitos e não permito.” Mas convive com as queixas dos outros, da mulher, que foi impedida de entrar em uma loja no centro da cidade. “O segurança falou que eu ia roubar. Saí de lá chorando”, diz Ana Maria. Agora, quando vai fazer compras veste roupas discretas. “Vou normal.” Iguala-se a todas, deixa sua cultura de trajes coloridos, não sorri para não mostrar os 14 dentes de ouro. Segue a vida no seu mundo, apartado da maioria, onde todos têm dois nomes. O seu segundo, falado entre eles, é Sueli. Quis saber qual seria o de Carlos. “Prefiro não falar.”



Intenciona é estabelecer um canal de comunicação com pessoas de fora, os gadjês, como somos chamados. “Meu sonho é fazer um centro tradicional cigano, com mais informações, gastronomia produtos para vender. Até hospedagem.” Mostrar-se como são, sair do seu círculo fechado, vir à tona, exibir as fragilidades dessa população alijada, ainda não incluída, de poucos defensores. “A comparação que faço é que 90% deles têm a mesma história dos mineiros no Chile que estavam soterrados vivos, com a diferença de que o mundo inteiro se uniu para retirá-los de lá ao passo que os ciganos ninguém se importa”, diz a professora Bernadete Lage Rocha, ativista, que foi para a Rio + 20 defendê-los.

AGK- Associação Guiemos Kalons 


Fonte: 
Texto original: Silvânia Arriel | Fotos: Nélio Rodrigues (revista viver brasil) - Obs: o texto foi adaptado pelo blogueiro.

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